sexta-feira, 12 de março de 2010

Nevralgia do trigémeo

Nevralgia do trigémeo


Sara Vieira





Documento de trabalho

última actualização em Dezembro 2000 Contacto para comentários e sugestões: Sanches, JP;

Fernandes, C



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Introdução

A nevralgia do trigémeo (NT) ou «tic» doloroso é um algia facial paroxística, de grande intensidade, que surge em doentes saudáveis pelos 50 anos, com um pico de incidência pelos 60-70 anos, mais frequente no sexo feminino, com uma incidência anual de 4.3 por 100.000. O diagnóstico é clínico. Raramente, quando a dor é atípica é necessário a exclusão de outras algias faciais que impõem abordagem diferente. A patofisiologia da dor é incerta mas a etiologia mais frequentemente ligada à NT é a compressão vascular da raiz do nervo trigémeo, geralmente pela artéria cerebelosa superior, pelo que a descompressão vascular cirúrgica se acompanha de bons resultados. A terapêutica médica é a maior parte das vezes eficaz.

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O problema na prática clínica

O diagnóstico é clínico. Perante um doente em crise ou a descrição de um dos episódios dolorosos, o diagnóstico de NT torna-se óbvio. No exame neurológico não se encontram alterações, assim como na observação do resto da cabeça e do pescoço (que terá que ser sempre efectuada). A existência de deficit da audição ou de paresia facial alerta para a possibilidade de se tratar de uma algia facial secundária a lesão estrutural (tumor, malformação vascular, ou mais raramente de esclerose múltipla).

Outras algias faciais paroxísticas terão que ser consideradas:

1. A cefaleia de Horton ou cefaleia em salva, caracteriza-se por paroxismos de dor muito violenta, pulsátil ou como intensa pressão, de localização periorbitária, acompanhada sempre de sinais de disfunção autonómica como lacrimejo e rinorreia homolateral. Atinge geralmente o homem adulto jovem, muitas vezes surge poucas horas após o adormecer (na NT a dor raramente se inicia durante a noite) e após ingestão alcoólica. Não cede à terapêutica de eleição da NT.

2. A nevralgia pós herpética, precedida por infecção por herpes, localizada na face é a maior parte das vezes constante, ao contrário da NT.

3. A nevralgia do glossofaríngeo é também lancinante, paroxística, mas é localizada à orofaringe, com irradiação para o ouvido, portanto a dor não se localiza na distribuição de nervo trigémeo.

4. A hemicrania paroxística crónica é semelhante à cefaleia de Horton, mas menos violenta, é mais frequente na mulher e caracteristicamente responde bem à indometacina.

5. A nevralgia do trigémeo atípica ou dor facial atípica, caracteriza-se por dor facial constante, embora possa sofrer variações de intensidade, podendo ser referidas como muito intensas ou lancinantes ( semelhando a NT) ou discretas, uni ou bilateral, muito localizada ou difusa, às vezes para além da distribuição da área do trigémeo. Ao contrário da NT, entre os períodos de exacerbação o doente tem sempre dor, mesmo que ténue, não se identifica zona gatilho, cede muitas vezes a analgésicos habituais, e ao tratamento com antidepressivos tricíclicos ( amitriptilina 10 a 25 mg/dia ao deitar por períodos de cerca de 3 meses) à semelhança do que acontece na cefaleia tipo tensão crónica, que pode estar associada.

6. A infecção dentária, dá origem a dor mais constante, e acompanha-se de edema.

7. Um dos diagnósticos diferenciais mais pertinentes, é o que se estabelece entre a dor de origem dentária e nevralgia pré-trigeminal. Nesta ultima, considerada uma fase prodrómica da NT, a dor não tem o carácter paroxístico e violento, mas é uma dor profunda, localizada num dente, base da língua, região alveolar, geralmente de um molar, ou na região mandibular ou maxilar. A dor pode durar horas ou semanas, desaparece espontaneamente, para voltar intermitentemente e se converter numa NT. É comum estes doentes fazerem múltiplos e inadequados tratamentos dentários.

8. A disfunção da articulação temporomandibular, origina dor em moedeira, muito incomodativa, pré auricular que irradia para a mandíbula, têmpora e olho homolaterais, que piora com o mastigar.

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Avaliação Diagnóstica

Perante o diagnóstico de uma NT, impõe-se a prescrição de carbamazepina (CBZ), fármaco de 1ª linha, cuja eficácia é tão elevada (alívio da dor em 24 a 72 horas, em 70 a 90% dos casos) que alguns autores consideram que se não se registar melhoria se deverá pôr em dúvida o diagnóstico. A dose inicial de CBZ é baixa, de 100 mg 2 vezes por dia, evitando-se assim os efeitos colaterais, e, aumentando gradualmente, 100 mg em cada 2-3 dias, até aos 800 mg/dia, podendo ir até aos 1200 mg/dia (dose de manutenção de 400 a 800 mg/dia), a dose maior deverá ser administrada à noite. Nos casos em que de inicio há resistência à terapêutica aconselha-se uma subida da dose mais rápida, até o doente ter algum alívio da dor, mesmo à custa de alguns efeitos secundários, como sonolência, tonturas ou diplopia. Nunca se deverá administrar mais dose do que a necessária para manter o doente bem, o que poderá não corresponder à ausência de dor. As doses terão que ser ajustadas de acordo com os níveis séricos. Devido aos potenciais efeitos secundários da CBZ (anemia aplástica, agranulocitose) impõe-se controlo analítico de 2 em 2 meses de hemoleucograma, função hepática e renal. Quando o doente não responde à CBZ ou não a tolera (por ex. o aparecimento de eritema cutâneo, febre, aftas orais, ou leucopenia, que impõem a suspensão da terapêutica), está indicada a prescrição de fenitoína na dose de 300 a 400 mg/dia, em duas doses. Esta terapêutica é menos eficaz (alivio em cerca de 20%) que a CBZ. A fenitoína pode ser utilizada, quando em monoterapia não resulta, em associação com o baclofeno na dose de 5 a 10 mg 3 vezes ao dia, podendo ir a 50 a 60 mg/dia. A interrupção deste fármaco terá que ser sempre gradual, uma vez que se for feita abruptamente pode dar origem a alucinações e convulsões. O baclofeno também pode ser utilizado em associação com a CBZ quando esta em monoterapia não é suficiente. Quando estes dois fármacos (CBZ e baclofeno) em associação não são eficazes deverá associar-se a fenitoína.

Numa situação de urgência (enquanto os fármacos supramencionados não atingem os níveis terapêuticos) utiliza-se fenitoína na dose de 250 mg IV num período de 5 minutos, obtendo-se a eliminação da dor em cerca de 50 segundos, com a possibilidade de ser repetida, se necessário. Quando o doente está assintomático, com a terapêutica instituída, é aconselhável tentar diminuir a dose de CBZ ou mesmo a suspensão porque sabe-se que a terapêutica pode levar à remissão da NT, podendo ou não aumentar de novo ou reinstituir-se se necessário. Para além da terapêutica farmacológica, impõe-se tranquilizar o doente, informando-o de que esta situação pode ser controlada, uma vez que a angustia que se instala no doente é enorme.

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Possibilidades de intervenção em MGF

Perante o diagnóstico de uma NT, impõe-se a prescrição de carbamazepina (CBZ), fármaco de 1ª linha, cuja eficácia é tão elevada (alívio da dor em 24 a 72 horas, em 70 a 90% dos casos) que alguns autores consideram que se não se registar melhoria se deverá por em dúvida o diagnóstico. A dose inicial de CBZ é baixa, de 100 mg 2 vezes por dia, evitando-se assim os efeitos colaterais, e, aumentando gradualmente, 100 mg em cada 2-3 dias, até aos 800 mg/dia, podendo ir até aos 1200 mg/dia (dose de manutenção de 400 a 800 mg/dia), a dose maior deverá ser administrada à noite. Nos casos em que de inicio há resistência à terapêutica aconselha-se uma subida da dose mais rápida, até o doente ter algum alívio da dor, mesmo à custa de alguns efeitos secundários, como sonolência, tonturas ou diplopia. Nunca se deverá administrar mais dose do que a necessária para manter o doente bem, o que poderá não corresponder à ausência de dor. As doses terão que ser ajustadas de acordo com os níveis séricos. Devido aos potenciais efeitos secundários da CBZ (anemia aplástica, agranulocitose) impõe-se controlo analítico de 2 em 2 meses de hemoleucograma, função hepática e renal. Quando o doente não responde à CBZ ou não a tolera (por ex. o aparecimento de eritema cutâneo, febre, aftas orais, ou leucopenia, que impõem a suspensão da terapêutica), está indicada a prescrição de fenitoína na dose de 300 a 400 mg/dia, em duas doses. Esta terapêutica é menos eficaz (alivio em cerca de 20%) que a CBZ. A fenitoína pode ser utilizada, quando em monoterapia não resulta, em associação com o baclofeno na dose de 5 a 10 mg 3 vezes ao dia, podendo ir a 50 a 60 mg/dia. A interrupção deste fármaco terá que ser sempre gradual, uma vez que se for feita abruptamente pode dar origem a alucinações e convulsões. O baclofeno também pode ser utilizado em associação com a CBZ quando esta em monoterapia não é suficiente. Quando estes dois fármacos (CBZ e baclofeno) em associação não são eficazes deverá associar-se a fenitoína.

Numa situação de urgência (enquanto os fármacos supramencionados não atingem os níveis terapêuticos) utiliza-se fenitoína na dose de 250 mg IV num período de 5 minutos, obtendo-se a eliminação da dor em cerca de 50 segundos, com a possibilidade de ser repetida, se necessário. Quando o doente está assintomático, com a terapêutica instituída, é aconselhável tentar diminuir a dose de CBZ ou mesmo a suspensão porque sabe-se que a terapêutica pode levar à remissão da NT, podendo ou não aumentar de novo ou reinstituir-se se necessário. Para além da terapêutica farmacológica, impõe-se tranquilizar o doente, informando-o de que esta situação pode ser controlada, uma vez que a angustia que se instala no doente é enorme.

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Erros e limitações

Em condições ideais todos os doentes deverão fazer estudo imagiológico por ressonância magnética (RM) cerebral, para estudo do ângulo pontocerebeloso. À luz dos conhecimentos actuais sabe-se que clinicamente cada vez mais é incerto o diagnóstico diferencial das NT idiopática versos sintomática. Constatando-se em casos típicos de NT idiopática, a existência de lesões estruturais (tumores, malformações vasculares), impondo-se a abordagem neurocirúrgica. Por este motivo todos os doentes deverão ser (para além de medicados) referenciados a uma consulta de neurologia. Poderão considerar-se alternativas médicas, quando as referidas anteriormente não forem eficazes, é o caso do uso de novos anti epilépticos como a gabapentina e lamotrigine, segundo referência na literatura. No caso de se constatar a existência de compressão por ansa vascular, e mesmo que o doente tenha resposta à terapêutica médica é licito equacionar a hipótese cirúrgica de descompressão versus terapêutica crónica, com fármacos que não são isentos de riscos. Em todos os casos em que não se verifique melhoria com a terapêutica médica, está indicado a referenciação à consulta de neurocirurgia, onde serão discutidas as várias atitudes cirúrgicas, todas com vantagens e desvantagens, e proposta a considerada melhor para o doente em causa (termocoagulação por radiofrequência do gânglio de Gasser, rizotomia percutânea retrogasseriana por glicerol, compressão percutânea do gânglio de Gasser...).

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Pontos práticos a reter

1. O diagnóstico da NT é clínico (características da dor, exame neurológico sumário normal, exame do ouvido e boca sem alterações).

2. Considerar o diagnóstico diferencial com outras algias faciais.

3. Instituir carbamazepina na dose de 100 mg, 3xdia. Aumentar gradualmente, 100 mg de 2 ou de 3 em 3 dias, até 800 mg/d

4. Associar se necessário baclofeno na dose de 5 a 10 mg 3xdia. Podendo subir-se gradualmente até 60 mg/dia.

5. Se a CBZ não é tolerada ou não está a ser eficaz suspender e substituir por fenitoína.

6. Em SOS, enquanto os níveis terapêuticos dos fármacos não são atingidos, utiliza-se fenitoína na dose de 250 mg IV, em 5 minutos, podendo-se repetir se necessário.

7. Referenciar à consulta de neurologia (se não for possível para a MGF a requisição de RM cerebral)

8. Se a terapêutica médica não é eficaz referenciar à neurocirurgia

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Bibliografia

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